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quinta-feira, março 10, 2005
A reforma da segurança social é um tema que anda na cabeça de muita gente. Dos Estados Unidos ao Chile, passando pela Escandinávia. Como muito bem diz o Pulapulga, esta reforma não passa de um eufemismo para a privatização e aponta um artigo no diário económico.

Pula Pulga | A mão invisível que embala a segurança social:

A reforma da segurança social, eufemismo para a privatização do produto dos descontos de quem «trabalha por conta de outrem», vai de vento em popa por esse mundo fora.

Mas o artigo estende-se a explicar as razões da opção, as vantagens e as desvantagens do sistema, terminando com uma conclusão sábia. Se não fosse um assunto sério pareceria um texto cómico. Não resisto a citar o texto quase todo.

Chile: a privatização da segurança social | Jorge A. Vasconcellos e Sá:

O Chile embarcou num programa de privatização a partir de 1981: quem já estava no mercado de trabalho foi incentivado a colocar 10% do seu salário em fundos de pensões privados; e para quem entrou no mercado a partir dessa data, tal era obrigatório.

A lógica era tripla. Primeiro, aliviar as contas públicas. Segundo, os pensionistas viriam a beneficiar de uma gestão privada dos seus fundos. Terceiro: a economia.

Ou seja, em 1981, tentou-se salvar a segurança social desviando os novos contribuintes (e quem quisesse dos velhos) para o sector privado. A lógica era aliviar as contas públicas das contribuições dos novos trabalhadores. Beneficiar de uma gestão privada, que aqui equivale a dizer uma gestão eficiente e eficaz.

Chile: a privatização da segurança social | Jorge A. Vasconcellos e Sá:

Do lado negativo, o governo continua a ter que financiar a segurança social porque as contribuições de muitos não foram suficientes para garantir a pensão mínima de 140 dólares/mês. Resultado: ¼ do orçamento do estado continua a ir para a segurança social.

Depois, muitos fundos ficaram aquém das expectativas (em rentabilidade) e acima do esperado (em fees ocultos, por vezes representando 1/3 dos resultados). Em consequência, em alguns casos as pensões privadas não ultrapassam hoje 1/3 do valor que teriam se o pensionista tivesse optado pelo antigo sistema público. Com a diferença adicional de que a pensão privada tem uma vigência máxima de 20 anos e a pública é vitalícia.

Infortunadamente, os fundos privados não subiram como se previra e, surpreendentemente, o contributo daqueles que se mantiveram no sistema público não foi suficiente para manter as pensões ao nível desejado.

Como consequência o estado teve de se chegar à frente para manter as pensões públicas, enquanto as privadas desciam para um terço (além de terem prazo de validade!).

Uma conclusão lógica seria que a ideia base tinha falhado, mas essa não será a conclusão do texto. Estes parágrafos estão escritos de maneira a que se intua que a segurança social pública (“o contributo de muitos” para o bem de todos) é um sistema que não é viável, esquecendo que para esse bolo não contribuíram nenhum dos trabalhadores pós-1981.

Os aspectos positivos são ainda mais hilariantes.

Chile: a privatização da segurança social | Jorge A. Vasconcellos e Sá:

Do lado positivo há que aduzir, primeiro que a situação da segurança social pública hoje poderia ser ainda pior, não fora a privatização; segundo, a alta rentabilidade de alguns fundos (10% de rentabilidade média anual); e terceiro, o milagre económico chileno das décadas 80 e 90, alimentado pela aquisição de acções e obrigações das empresas, pelos fundos de pensões.

Apesar de a parte privada só conseguir pagar um terço do valor das pensões públicas, as pensões públicas poderiam ainda estar muito pior? A lógica levar-nos-ia a pensar que no entender do autor, se se deveria ter obrigado a totalidade do mercado de trabalho a mudar para o privado. E assim todas as pensões estariam a um terço dos tais 140 dólares. Isto não faz sentido nenhum.

O sistema privado iniciou-se vinte e tal anos atrás com a participação obrigatória de todos os que começaram a trabalhar desde então. Deve-se assumir então que haja neste momento muito mais contribuintes que pensionistas. Mesmo assim, este sistema não consegue pagar mais que um terço do valor das pensões públicas. Imagine-se o que aconteceria se todos os pensionistas do antigo sistema estivessem dependentes do sistema privado!

Por outro lado, imagine-se o que aconteceria se todos os trabalhadores desde 81 ainda contribuíssem para o sistema antigo. Provavelmente o estado não teria de gastar um quarto do orçamento.

Um outro aspecto positivo é a alta rentabilidade dos fundos, apesar de um dos aspectos negativos ser que a rentabilidade ficou aquém das expectativas! Pois. Isto apesar de o Chile ter atravessado um período de milagre económico. Pois! O milagre económico chileno fomentado pelos fundos de pensões que só conseguem pagar 47 dólares/mês a uma minoria dos contribuintes. Pois

O balanço põe a cereja no bolo:

Chile: a privatização da segurança social | Jorge A. Vasconcellos e Sá:

Daí o sistema estar agora a ser reanalisado para se fazer uma reforma: controlo dos fees dos fundos; garantir a sua qualidade de gestão; redução do nível das pensões públicas; e adiamento da idade da reforma.

Para onde é importante olhar para se aprender com a experiência dos outros. Porque a experiência própria é o pior dos professores: dá primeiro o exame e só depois a lição: o erro precede a aprendizagem.

É importante realmente aprender com os erros dos outros, mas para isso é necessário saber interpretar os factos e ir há origem dos problemas. As soluções propostas são exemplares de reacções sem essa análise.
(1) Garantir a qualidade de gestão não é uma solução, era (como vimos em cima) uma das razões para mudar para o privado. Se uma das razões-base para a mudança não resultou, não será de repensar a ideia-base?
(2) Redução do nível das pensões públicas! Claro como o sistema privado não consegue pagar o mesmo, reduz-se o público. Mas isto afinal beneficia quem? Não será que o público está assim alto seguindo a tendência do milagre económico?
(3) Adiamento da idade de reforma! Mais um exemplo de nivelamento por baixo. No falhanço das soluções milagrosas retiram-se privilégios adquiridos das soluções tradicionais sem garantias de que o novo sistema possa desta vez funcionar. Pelo menos não fica tão mal quando colocado lado a lado.

Ou seja, as soluções visam maioritariamente delapidar o sistema velho para que não brilhe tanto ao pé do novo.

Chile: a privatização da segurança social | Jorge A. Vasconcellos e Sá:

Em jeito de balanço, a privatização parece ter sido boa para a economia. Mas – e apesar disso – ficou aquém das expectativas quer para o estado, quer para os pensionistas.

O balanço tinha de ser positivo. A economia ficou satisfeita, já o estado e os pensionistas esperavam melhor. Ou mais bem dito, a privatização da segurança social foi má para o estado e para os pensionistas, a economia essa esteve bem, obrigada.

Este texto já vai longo. A intenção não era concentrar-me neste artigo do diário económico. Para terminar não resisto a adicionar uma citação de um longo e interessante artigo sobre o Chile que utilizarei num futuro texto sobre este tema.

Em cima referia-se que todos os trabalhadores desde 1981 tiveram de optar pelo sistema privado. Isto não é inteiramente verdade e relembra-me o início dos livros do Astérix:
TODOS? Todos não, um pequeno núcleo manteve-se sob a alçada protectora do estado.

The New York Times | Chile's Retirees Find Shortfall in Private Plan (necessita inscrição):


Chile spends about $2 billion a year to pay retirees from its armed forces, according to Mr. Solari. The military imposed privatization on the rest of the country, but was careful to preserve its own advantages and exclude fellow soldiers from the system. Despite calls that the military be forced to give up its exemption, no civilian government has been prepared to pursue that.

Nestes pensionistas inclui-se com certeza um tal senhor Pinochet.
Ler texto completo:

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