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segunda-feira, novembro 01, 2004
O Purgatório: "Batalha mediática e americanismos": "A ignorância faz-nos ver o sistema eleitoral americano como defeituoso. É certo que as leis conduzem a que na prática só existam dois partidos, mas por outro lado, torna-se também inevitável que esses partidos não tenham a homogeneidade que exista por cá, abarcando quase todo o espectro eleitoral. Seria impensável nos EUA a castradora disciplina partidária, em que todos dizem o mesmo. Quem rejeita a complexidade das questões e que pode não ser fácil tomar uma boa decisão somo nós. A Europa moribunda é que ainda tem a mentalidade inquisidora, em tudo é preto ou branco."

Este artigo do Purgatório começa com um confuso paralelo entre as pressões do governo à TVI, as pressões que as televisões fazem ao governo e a suposta independência da imprensa estado-unidense. Ora se a (alguma) imprensa estado-unidense consegue tomar partido sem ser partidária, as televisões estão muito mais sujeitas a uma auto-censura pela sua dependência do poder legislador e executivo do estado. De qualquer maneira é preciso também não esquecer que a televisão estado-unidense que se transmite na Europa não é a televisão estado-unidense que se vê no Estados Unidos.

Mas a razão deste meu artigo é explicar que ao contrário do que afirma não é a ignorância que nos faz pensar que o sistema eleitoral estado-unidense como defeituoso - é o conhecimento. Para uma iniciação simples recomendo a leitura deste resumo da lei eleitoral nos Estados Unidos. A eleição do presidente é indirecta. Cada estado elege um grupo de "eleitores estatais" e são estes que finalmente elegem o presidente.

O principal defeito deste sistema é ser um sistema maioritário por estados (com a excepção de um par de estados). Apesar de o número de "eleitores estatais" ser mais ou menos proporcional aos habitantes, os eleitores só representam os partidos vencedores. Na prática isto significa que um candidato só tem que se candidatar e/ou vencer em 11 dos 50 estados pela margem mínima de um voto para vencer as eleições. Estabelecendo um paralelo ligeiro e superficial, seria o mesmo que dizer que se na Europa dos 25 se aplicasse um sistema semelhante bastaria vencer 5 ou 6 países (talvez Alemanha, Itália, França, Grã-Bretanha e Polónia) para escolher um eventual presidente da Europa.

O segundo grande defeito é a inexistência de segunda volta. Se um terceiro candidato vencesse um ou mais estados, e nenhum dos outros atingisse os 270 "eleitores estatais", seria a House of Representatives a eleger o presidente. Isto podia levar a uma situação em que mesmo com uma margem folgada (desde que sem os tais 270), o presidente pudesse ser o segundo ou mesmo o terceiro classificado, se na HoR o partido desse candidato fosse maioritário.

... e por aí abaixo.

A falta de homogeneidade dentro dos partidos não se deve tanto ao sistema eleitoral como às diferenças culturais, essas sim subestimadas. Tal como ser social-democrata em Portugal é diferente de ser social-democrata na Holanda, um democrata do sul é diferente de um democrata do Norte.

Com uma coisa tenho que concordar: os estado-unidenses não são obviamente imbecis como nos divertimos às vezes a pintá-los. Mas dizer que a Europa vê tudo a preto e branco é das coisas mais imbecis que tenho lido nos últimos tempos.

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