sábado, fevereiro 19, 2005
Resumo:
Para os mais distraídos, Portugal vive num regime democrático parlamentar... e serve-nos bem. [...][...] o problema não é de facto a ingovernabilidade mas sim a ambição do poder absoluto. [...]O problema é entender o regime democrático como um sistema onde só se tem que prestar contas ao eleitorado cada quatro anos. [...]
Os políticos em Portugal querem reduzir o seu trabalho a meros gestores do país (ou caso percam, a comentadores políticos). O trabalho dos políticos tem que ser mais ambicioso do que isso. [...]
Daqui a quatro anos, esgotados pelo governo do PS o eleitorado do centro escapará para o PSD, o PS acenará com o perigo da vitória do PSD tentando atrair o eleitorado de esquerda e o eleitorado de esquerda que nestas eleições já cedeu à chantagem estará desiludido... cederá outra vez? ou virar-se-á outra vez para os partidos à esquerda com um voto de protesto? [...]Para os mais distraídos, Portugal vive num regime democrático parlamentar... e serve-nos bem.
Neste regime, certos grupos de cidadãos apresentam-se com os seus projectos, e todos os cidadãos expressam a sua opinião votando no projecto que mais lhes agrada. Os deputados são distribuídos proporcionalmente e estes elegem o governo. é bastante simples.
Há dias, Pedro Oliveira desafiava os partidos de esquerda para proporem uma revisão da constituição que impossibilitasse a maioria absoluta. Sinceramente, não me pareceu má ideia. Mas na verdade o desafio deveria ser atirado de volta.
Aqueles que pensam que é impossível governar sem maioria absoluta deveriam propor uma revisão constitucional de maneira a mudar o regime democrático em que vivemos. Torná-lo um regime presidencialista tipo francês ou americano. Ou tipo o regime autárquico português. Vota-se no líder e no parlamento separadamente.
Obviamente, isto não obstruirá aqueles que ambicionam o poder absoluto de pintar cenários catastróficos caso o presidente do executivo e o parlamento não pertençam ao mesmo partido. A famosa co-habitação francesa é um cenário ininteligível para os políticos centristas (do meio, médios, medianos) portugueses.
Ou seja, o problema não é de facto a ingovernabilidade mas sim a ambição do poder absoluto. O problema é certeza intransigente de que o seu projecto é o melhor para o país e que os outros serão desastrosos. O problema é a falta de capacidade de dialogar com a realidade social representada pelos outros partidos. O problema é entender o regime democrático como um sistema onde só se tem que prestar contas ao eleitorado cada quatro anos. O que se quer é poder governar sem ter que ouvir ninguém e esperar que um par de medidas tomadas um ano antes das eleições e a conjuntura internacional permitam uma reeleição sem problemas.
Mas no fundo a ingovernabilidade não é causada pela ausência de maioria absoluta. Na Holanda, é raro um governo ser composto por menos de três partidos. O governo exprime assim a vontade dos eleitores e os políticos tem como sua responsabilidade sintetizar as ideias da maioria dos eleitores expressas através do voto.
É aqui que a porca torce o rabo. Os políticos em Portugal querem reduzir o seu trabalho a meros gestores do país (ou caso percam, a comentadores políticos). O trabalho dos políticos tem que ser mais ambicioso do que isso. O trabalho do político tem que ser aperceber-se de que o seu programa agradou apenas a 40% dos eleitores e procurar plataformas de entendimento como os restantes 60% (ou no mínimo 11%) através dos seus representantes no parlamento.
Haverá sempre quem ambicione o poder absoluto, mas não podemos ceder a essas ambições. Sobretudo, se o principal argumento for "ou nós ou o caos" ou a admissão antecipada do seu próprio falhanço governativo e eleitoral "sem maioria absoluta haverá em breve eleições e talvez depois a direita ganhe". A direita, se ganhar, é porque a maioria votou nela... parabéns. Mas a maioria absoluta não evitará futuras eleições. Depois de quatro anos de maioria absoluta, é preciso ser ingénuo para pensar que os portugueses se aperceberão que sempre tinham desejado um governo assim e que votarão massivamente no PS.
A maioria absoluta não evitará a futura ascensão da direita ao poder. Um governo do PS isolado no centro tentará sempre piscar o olho ao centro-direita para tentar garantir a sua reeleição. A direita tentando demarcar-se deste namoro, chegar-se-á um pouco mais a direita. Daqui a quatro anos, esgotado pelo desgaste do governo PS, o eleitorado do centro escapará para o PSD, o PS acenará com o perigo da vitória do PSD tentando atrair o eleitorado de esquerda e o eleitorado de esquerda, que nestas eleições já cedeu à chantagem, estará desiludido... cederá outra vez? ou virar-se-á para os partidos à esquerda com um voto de protesto?
O que é preciso é coragem. Um entendimento eficaz à esquerda, provará que é possível implementar com sucesso políticas progressistas. Convencerá os verdadeiros centristas das possibilidades das políticas de esquerda. E finalmente, forçará a própria direita a mover-se um pouco mais para a esquerda para não ficar isolada. É preciso acabar com a deriva da esquerda para a direita – mais! é preciso invertê-la.
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