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quarta-feira, abril 20, 2005
O Porto é uma cidade conservadora por natureza mas devemos admitir que tem os seus toques de originalidade. Vem isto a propósito da petição contra o edifício de Ginestal Machado na envolvente da Casa da Música. É divertido ver a veia conservadora vir ao de cima até quando se parece defender a modernidade e o progresso.
A atitude destes cidadãos, alguns dos quais meus amigos, é imediatamente proteger, pôr uma redoma à volta do edifício. Uma atitude comum e questionável na envolvente de tantos edifícios antigos (velhos). A originalidade é tratar-se desta vez de um edifício que ainda nem sequer estava terminado. Uma atitude de "Papa santo, já!" - "CdM monumento, já!"

Defesa do Interesse Público:

Porque o edifício que a ADICAIS, Investimentos Imobiliários S.A. se propõe construir junto à Casa da Música não se coaduna com a afirmação desse estatuto patrimonial, fragilizando a relação da Casa da Música com a sua envolvente.
Porque a Casa da Música é dos cidadãos e para os cidadãos e o edifício do da ADICAIS não é.
Esta atitude, escusado será dizer, mata o edifício. Desliga-o da envolvente, não o protege. Mata também as possibilidades de um outro arquitecto, num outro local, na envolvente de um outro edifício considerado singular pela populaça, poder construir um edifício contrário ao gosto da dita.

As relações com a envolvente (se desejadas), tal como a qualidade arquitectónica, estão no olho de quem vê. Enquanto a populaça teme pela fragilização da relação da CdM com a envolvente, Ginestal Machado aponta o dedo à localização da Casa da Música. Não é a envolvente que tem problemas com a CdM, é a CdM que necessita outra envolvente. É a mesma táctica orientada no sentido contrário.

Elsinore | Entrevista de Ginestal Machado ao Público:

O que eu entendo e partilho é que a Casa da Música nunca devia estar ali. Um edifício como aquele devia ter outra localização, como por exemplo, a parte superior do Parque da Cidade. Agora não tenho culpa que a Câmara do Porto tenha escolhido mal a localização da Casa da Música.
A Casa da Música está onde está e foi projectada para ali. Se não sobrevivesse a um edifício posterior na sua envolvente, ou se necessitasse de uma envolvente nova para brilhar, seria uma debilidade do projecto.

A qualidade arquitectónica não é responsabilidade da Câmara, mas sim dos arquitectos individualmente. Koolhaas e Ginestal Machado têm igual responsabilidade pelos seus projectos e pela maneira como se relacionam (ou não) com a envolvente. A imposição de qualidade arquitectónica por decreto tem na maior parte das vezes resultados medíocres, aborrecidos ou banais. Ou terminam na atribuição das obras aos suspeitos do costume para salvaguardar o interesse público.

O arquitecto da Casa da Música não se mostra muito preocupado com o tema da envolvente e bem. Como demonstra a acta da reunião entre ambos os arquitectos.

C.M. Porto:

Os arquitectos autores dos projectos, Rem Koolhaas autor da Casa da Música e Ginestal Machado, autor do projecto da ADICAIS, foram unânimes na defesa da existência de construção para o local, considerando que urbanisticamente uma envolvente edificada é benéfica para o enquadramento da Casa da Música.
...
O Senhor Arquitecto Rem Koolhaas reafirmou que o seu projecto foi idealizado sabendo da existência dos projectos de construção previstos para a envolvente à Casa da Música, manifestando-se disponível para, em conjunto com as partes envolvidas, encontrar uma nova solução urbanística para o quarteirão onde se inserem os lotes N.º 1 e 2, garantindo o canal de vistas do Auditório da Casa da Música.
Entretanto, a Câmara disponibilizou mais um lote "para integrar uma nova solução urbanística que salvaguarde a actual envolvente do edifício da Casa da Música". Mais um custo para o interesse público, possivelmente com instrumentos que permitam à Câmara controlar a relação com a envolvente... ou talvez não.



Mas talvez haja algo a aprender nesta estória toda. Não tem a ver com relações com a envolvente, nem com preservação do património arquitectónico. Tem a ver com a oportunidade de espreitar como funciona (como deve funcionar) a relação entre o arquitecto e o cliente. E esta oportunidade é-nos dada por Ginestal Machado. Numa entrevista publicada no Público o arquitecto diz coisas importantes.

Elsinore | Entrevista de Ginestal Machado ao Público:

O que há é uma hipotética disponibilidade da CMP para ceder à Adicais o terreno do Conservatório. Se isso acontecer, teremos que ter outro projecto, porque os edifícios não vivem de acrescentos.
...
Eu tenho interferência apenas no projecto que me foi encomendado para o Lote 1, que tem uma área de construção definida. Se a câmara entregar à Adicais o Lote 2, terá que ser feito um novo projecto. Agora não me pergunte como vai ser.
Ora cá está um arquitecto com um projecto aprovado na Câmara, que terá de fazer um novo projecto. Um novo projecto obviamente paga-se, tal como o primeiro (aprovado) se pagou. Muitos arquitectos teriam receio de dizer tal coisa aos seus clientes. E muitos clientes tentariam convencê-lo a que seria apenas um ajuste do projecto já incluído nos honorários do projecto. Não me parece que Ginestal Machado caia nessa.

Ora o cliente vai ter que pagar um novo projecto e já investiu capital numa obra que já se devia ter iniciado. A cedência dos terrenos da Câmara é, subentende-se, para facilitar a integração urbanística. O dinheiro terá de vir de algum lado, ou mais metros quadrados, ou uma compensação da Câmara, ou um "jeito" noutra área do Porto. O que não me parece é que a Câmara esteja em posição muito favorável para de livrar da tal dívida, como sugere o Público algo inocentemente.

Elsinore | Entrevista de Ginestal Machado ao Público:

P - A eventual cedência desse segundo terreno seria para pagar os 13,7 milhões de euros que a câmara deve à Adicais ou poderá levar a novas alterações ao projecto?
É o interesse público defendido a todo o gás! É o despiste após a derrapagem!
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