<$BlogRSDURL$>
terça-feira, fevereiro 26, 2008
MVOA | Opinião - José Bruschy: É no mínimo engraçado, ou melhor, revelador que, para a comunicação social e pelos vistos para o seu público, o importante, seja só e principalmente a questão da troca de favores

Confesso que, quando recebi a newsletter da lista C com as primeiras linhas desta opinião, não resisti a ir procurar esta citação que de uma maneira ou de outra teria que lá estar. E, não desiludindo, a forma da afirmação ultrapassa as expectativas.

É no mínimo risível, ou melhor, ridículo que um arquitecto considere que o importante na estória das assinaturas de Sócrates não seja principalmente a troca de favores. Esse é, de facto, o único aspecto importante da estória e o facto de o engenheiro continuar como primeiro-ministro é revelador do estado dos políticos em Portugal. Enquanto engenheiro, quanto sei, o primeiro-ministro actuou dentro da legalidade. Foi enquanto cidadão que cometeu as alegadas ilegalidades.

É no mínimo lamentoso, ou melhor, lamentável que o arquitecto utilize esta triste estória para desenrolar a velha ladainha dos arquitectos contra o resto do mundo da construção. A saber: «A qualidade da arquitectura destes projectos é sempre medíocre, ou muito má», sugerindo garantia de qualidade do serviço de um arquitecto e, soberba, excluindo a possibilidade de um dos projectos dos ‘outros’ ser bom ou mesmo sofrível; os projectos são feitos «à “pressa” com o objectivo de obter aprovações rápidas e remunerações atempadas e compensadoras», ao contrário do que se passa nos escritórios de muitos arquitectos (?); «muitas vezes, são projectos da autoria de engºs. ou engº técnicos», coisa absolutamente legal diga-se de passagem; «De facto arquitectura sem arquitectos é de terceiro mundo», países como a Holanda ou a Dinamarca, cujo atraso cultural e económico é legendário; «tão importante como a má qualidade dos projectos […], é a distorção no mercado da encomenda de projectos», enquanto os arquitectos não fazem concorrência desleal uns aos outros, as universidades ocupam-se somente de investigação e a ordem não serve de bandeja milhares de projectistas a custo zero; «De facto, hoje em dia, para a maioria dos projectos correntes, que entram nas Câmaras, e que são cerca de 90% de todos os projectos», de facto – e uso aqui o ‘de facto’ apropriadamente – depois de muito procurar, até hoje, ainda não descobri um estudo (nem fiável, nem sequer questionável) que indicasse essa percentagem mítica dos 90% repetida ad eternum para demonstrar a injustiça em que os arquitectos vivemos e para prometer o maná infindável que nos espera quando por fim o 7373, número bestial, for derrotado. Devo confessar, no entanto, que o negativo destas afirmações dava um excelente programa eleitoral, infelizmente ausente de todas as candidaturas.

É no mínimo infeliz, e até triste, que o arquitecto se esqueça das inúmeras estórias semelhantes à das assinaturas de Sócrates em que os protagonistas são arquitectos camarários e os seus amigos.

Nota:
Este texto não é contra a candidatura de Manuel Vicente, nem contra o citado arquitecto. A opinião deste arquitecto é como muitas que ouvi de colegas e amigos em conversas por aí. Reflecte o estado dos arquitectos.

Etiquetas: , ,