domingo, março 30, 2008
Arrastão | Dar o corpo ao manifesto:
Não usar uma mini-saia no trabalho pode significar menos dinheiro no fim do mês. Esta é pelo menos a ideia da clínica espanhola San Rafael, em Cádis, que retirou a dez recepcionistas e enfermeiras o seu prémio de produtividade, por não usarem a saia curta que faz parte do uniforme obrigatório. As mulheres recusaram o traje estipulado, que além de deixar as pernas descobertas obriga ao uso de um avental justo e pouco prático. Assim, no fim do mês receberam menos 30 euros, o preço por andarem com os tradicionais fatos de saúde.citação original: Sem comentários
Seja por pura tentativa de provocação, seja por pura idiotice, choca-me o teor de alguns comentários ao artigo ligado pelo arrastão – além de estar indignado com esta notícia. A provocação nivela a discussão por baixo, a idiotice é resultado de anos de nivelamento por baixo da discussão.
A utilização de uniformes em empresas tem as suas razões, maioritariamente de ordem prática (seja pela necessidade ou desejo de reconhecimento, seja pela adequação à actividade), mas deve sempre respeitar o indivíduo nos seus direitos essenciais de não ser descriminado com base em raça, género, religião, etc. Ou seja, um uniforme deve ser flexível – e isto não é um paradoxo.
Além disso um uniforme tem que ser esteticamente agradável e, apesar de esta característica ter um factor subjectivo, não deve ser dependente de quem o usa. Ou seja, o uniforme deve ser esteticamente agradável tanto vestido por um homem com barriga, como vestido por um homem sem ela. Mais uma vez o uniforme terá de ser flexível.
Estes são parâmetros que entram no desenho (projecto) de qualquer uniforme. E um uniforme, ou uma estratégia de marca, que não é adaptável funcionalmente, esteticamente ou culturalmente falha redondamente.
É uma banalidade mas aqui fica: uma empresa (privada) de serviços não tem como objectivo o lucro, tem como objectivo prestar serviços aos seus clientes. Privada ou não, para manter o serviço aos seus clientes, e valorizar a energia despendida, tem que ser economicamente viável – o que é bastante diferente de ter como objectivo o lucro.
Na sua essência uma empresa de serviços é diferente de uma empresa de produtos. Sendo central a prestação do serviço, o serviço é avaliado com adjectivos como eficaz, eficiente, correcto, simpático, informado, e não com atraente, excitante, musculoso, colorido.
A avaliação da prestação dos funcionários de uma empresa é uma coisa bastante séria e não pode ser banalizada. O mérito é central nessa avaliação, e é o que interessa à empresa. As características de cada indivíduo influenciam enormemente a avaliação. Tipicamente, um indivíduo mais articulado – ou mais atraente ou simpático – terá uma melhor avaliação que um mais engasgado, mesmo que isso não influencie a sua prestação. O bom gestor descortinará por detrás destas características o mérito da prestação individual. Uma má avaliação (ou série) é razão para penalizações e, no limite, despedimento. Por isso é importante que os critérios sejam claros e justos.
É uma estratégia conhecida a utilização de avaliações negativas (baseadas em critérios injustos ou aplicados parcialmente) para despedimento sumário de funcionários indesejáveis.
Para terminar, o uniforme tem uma outra missão também importante, que não a adequação às tarefas ou o reconhecimento da empresa – a uniformização. Tal como um uniforme flexível não é um paradoxo, a uniformização através do uniforme não é uma redundância. O uniforme é utilizado para dissimular algumas características individuais irrelevantes ao serviço prestado – tais como a classe económica ou social de um indivíduo; ou até gostos particulares ou atributos físicos.
Neste caso, não imagino como a saia curta poderá ter uma utilidade prática na actividade exercida; ou como possa ser essencial no reconhecimento do pessoal da organização ou na imagem que se quer transmitir acerca do serviço; e, obviamente, contradiz a missão de dissimulação de factores irrelevantes.
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